o que se perde enquanto os olhos piscam*

domingo, 12 de setembro de 2010

A menina da janela cantava.
Mas era um canto diferente: ao invés de notas musicais, emitia matizes de luz. Sem som: cores.
Ah, e como era bonito!
Todos os dias ela cantava, incessantemente.
Muitos paravam ao passar em frente a sua janela para admirar seu canto-cor: ficavam hipnotizados.
Com o tempo, porém, as cores da menina começaram a incomodar – tem gente que tem mania de ver as coisas em preto e branco (eventualmente, também em tons de cinza). As cores, portanto, incomodavam os olhos destes – era muita informação para seus mundos bicolores.
Proibiram, então, a menina de cantar.
Nos primeiros dias, tudo ficou cinza.
A menina suspirava, suspirava.
Destes suspiros, que não eram nada doces, nasceram nuvens, as quais tomaram conta do céu. Este, por sua vez, foi ficando branquinho como algodão – (mas branco podia).
Ela não estava satisfeita.
De seus olhos, saltaram lágrimas.
Como ela morava no ponto mais alto da aldeia, suas lágrimas, que pareciam intermináveis, foram confundidas com chuva.
Assim, se passaram mais alguns dias.
A menina estava tão triste, mas tão triste, que as pessoas se apiedaram dela.
Acabaram pedindo aos homens-que-viam-tudo-em-preto-e-branco (e, às vezes, cinza) para que permitissem que a menina voltasse a cantar.
Resolveram, então, fazer um trato com a menina-do-canto-de-cor: ela podia cantar, mas só em alguns tons e em momentos previamente estabelecidos.
De manhãzinha, um canto alaranjado, mais fraquinho, que se tornaria amarelado mais depois. Essas cores alegrariam as pessoas e as deixariam mais dispostas para cumprir com suas obrigações na aldeia.
O trato era que, vez ou outra, ela deixasse os dias cinza. Nesses dias, ela chorava e bufava emburrada, fazendo vento.
À tarde, o amarelo se desmembraria em um doce cor-de-rosa (era a hora do dia, aliás, que ela mais gostava) – era a hora das pessoas voltarem para suas casas, descansarem.
À noite, tudo era azul-cor-de-breu.
Foi mais ou menos assim que surgiram o dia, a tarde, e a noite.
A madrugada era coisa de gente que sonhava ou pensava demais e, por isso, acabava perdendo o sono. Dessa forma, a cor vista pelos insones variava, dependendo muito do humor de cada um. Nessa hora, a menina descansava e deixava a cor a cargo da imaginação deles: podia ser de um cinza-sem-sal pr’aqueles que pensavam “mal dormi e já é quase hora de acordar! Terei um péssimo dia”; ou podia ser de um quase-azul-cor-de-esperança pra quem olhava sua cara amassada no espelho e dizia em alto em bom som pra si mesmo “amanhã será um dia melhor”.

Todos ficaram contentes.
A menina, entretanto, às vezes, coloria o céu com matizes variantes. Em outras, também brincava de emitir vários tons de uma só vez – assim surgiu o arco-íris.
Dizem que ela até hoje brinca de mesclar tons e soltar seu canto, mesmo sabendo que muitos, acostumados com o mundo em preto-e-branco, não reparam em seus experimentos.
Ela sempre soube que, em algum lugar, ou em vários lugares, tinha gente que sonhava em cores, como ela.

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